Testes realizados pelas empresas de abastecimento de
municípios brasileiros mostram que quatro cidades da Bahia consomem um perigoso
coquetel com 27 agrotóxicos encontrados na água utilizada pela população. Mucugê,
na Chapada Diamantina, Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador (RMS),
Itapetinga, Centro Sul, e São Félix do Coribe, no Oeste, estão no topo de uma
lista de 271 municípios baianos (veja lista no final da matéria) em que se
encontrou pelo menos um agrotóxico na água que abastece as torneiras das
cidades.
Obtidos em uma investigação conjunta pela ONG Repórter
Brasil, da Agência Pública e da organização suíça Public Eye, os dados dizem
respeito ao período entre 2014 e 2017. As informações são parte do Sistema de
Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua) do
Ministério da Saúde. O estudo detectou em 1.396 municípios no país todos os 27
pesticidas.
Risco na torneira
Dos 27 agrotóxicos encontrados pela pesquisa, 16 são
classificados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) como
extremamente ou altamente tóxicos e 11 estão associados ao desenvolvimento de
doenças crônicas como câncer, malformação fetal, disfunções hormonais e
reprodutivas
O levantamento revela ainda quais químicos estão acima dos
níveis permitidos pela legislação do país e pela regulação europeia, que proíbe
21 dos 27 pesticidas encontrados na água dos brasileiros. Mas, ainda que não
ultrapassem os limites legais aqui, a preocupação é de que eles juntos atuem
como um coquetel nocivo à saúde.
"Mesmo que um agrotóxico não tenha efeito sobre a saúde
humana, ele pode ter quando mistura com outra substância", explica
Cassiana Montagner, que pesquisa a contaminação da água no Instituto de Química
da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). "Os agentes químicos são
avaliados isoladamente e ignoram os efeitos das misturas que ocorrem na vida
real", diz a médica e toxicologista Virginia Dapper. Ambas são fontes no
trabalho feito em conjunto pela Repórter Brasil, Agência Pública e organização
suíça Public Eye.
Na Bahia, dos quatro municípios em que foram detectados os 27
agrotóxicos, Camaçari é o único em que se detectou agrotóxicos com
concentrações acima do nível permitido no Brasil. Também apenas em Camaçari a
Embasa (Empresa Baiana de Água e Saneamento) trata a água. As demais têm gestão
própria do abastecimento. Já dentre as 271 cidades com pesticidas a Embasa
gerencia a maior parte do fornecimento de água com por exemplo em Salvador.
Em nota, a Embasa informou que as análises realizadas
semestralmente pela empresa no período entre 2014/2018 apresentaram valores que
demonstram a inexistência de substâncias presentes em agrotóxicos. “Isso
significa que os parâmetros de potabilidade da água distribuída pela empresa
estão de acordo com as determinações da Portaria de Consolidação nº 05, anexo
XX, de 2017, do Ministério da Saúde”, diz a nota.
A secretaria de Saúde de Camaçari foi procurada pelo CORREIO,
mas não respondeu até o fechamento desta reportagem. O município de São Félix
de Coribe, que possui o tratamento da água através do Serviço Autônomo de Água
e Esgoto (SAAE), também foi procurado pelo jornal, mas não deu retorno aos
questionamentos da reportagem.
Saúde em alerta
As intoxicações por agrotóxico, em casos graves, podem até
gerar coma, parada cardíaca, hemorragia ou perda da visão. Na Bahia, o problema
é tratado como uma questão de saúde pública, já que está entre os oito estados
do Brasil em consumo do produto.
Os defensivos agrícolas possuem diversos níveis de
intoxicação, que podem variar de acordo com a quantidade do produto e tempo de
exposição a ele.
O Ministério da Saúde alerta que os venenos podem entrar no
corpo por meio de contato com a pele, mucosas, respiração ou ingestão. Os
sintomas mais comuns logo após a exposição são mal-estar, dor de cabeça e
cansaço. Nos casos mais graves, pode se identificar lesões de pele, tonturas,
dificuldade respiratória, podendo ocorrer coma e morte.
Os agroquímicos também podem desenvolver problemas crônicos,
que aparecem após algum tempo, como distúrbios como irritabilidade, ansiedade,
alterações do sono e da atenção, depressão; dor de cabeça, cansaço, alergias de
pele e respiratórias, problemas neurológicos e até alguns tipos de câncer.
O bioquímico Luciano Costa destaca que a presença dos
agrotóxicos na água acima do nível permitido pelo Ministério da Saúde pode
provocar diversas doenças.
"Funciona como o efeito radioativo, ele vai acumulando
no organismo. Ou seja, você pode ter problemas mais graves no futuro quando
consome esse tipo de material", disse.
Ele destacou que quanto maior a quantidade ingerida e o tempo
de exposição, piores são os sintomas e as consequências para a saúde.
"Não é que a pessoa de imediato vai ter câncer, mas como
algumas substâncias são cancerígenas, quando há uma grande exposição, os riscos
aumentam", explicou.
A Pública - Agência de Jornalismo Investigativo - e ONG
Repórter Brasil, que pesquisaram os dados de contaminação da água, são
organizações especializadas em jornalismo investigativo fundadas em 2011 e
2001, respectivamente. A Pública foi o terceiro veículo de comunicação
brasileiro mais premiado em 2016 e já conquistou os principais prêmios de
Jornalismo do Brasil a exemplo do Tim Lopes, Petrobras e Vladmir Herzog.
Agronegócio questiona dados de contaminação
A divulgação, nessa semana, do resultado do estudo de
contaminação de água por agrotóxicos pela Agência Pública, Repórter Brasil e
organização Public Eye gerou questionamentos. Além das próprias empresas de
tratamento de água desmentirem as informações ou falarem que elas são
tendenciosas, associações do setor agrícola também foram contrárias aos dados
apresentados.
A Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef), por exemplo,
afirmou que os dados foram publicados "de forma alarmista" com
pesquisas "absolutamente desconhecidas por autoridades nacionais e
internacionais".
"A matéria trata de forma cientificamente distorcida a
questão do resíduo de agroquímicos na água dos municípios brasileiros, já que
apenas 0,3% das análises realizadas estão acima dos valores máximos
estabelecidos pelas autoridades brasileiras. O texto importa parâmetros europeus
e faz uma análise fora do contexto da realidade brasileira, um país tropical e
com mais de 65% do seu território coberto por vegetação nativa", diz a
entidade em nota enviada à imprensa.
A entidade destacou que os agrotóxicos passam por aprovação
da Anvisa, MAPA E Ibama e estão "entre os produtos mais regulamentados em
todo o mundo" e que o processo de desenvolvimento do produto é longo,
podendo chegar a 10 anos, justamente por conta da quantidade de pesquisa
necessária para produzi-los.
"Cada país estabelece diferentes limites, pois eles
também dependem do uso local; por isso comparar regiões globais não é a maneira
mais adequada de verificar a qualidade da água. O monitoramento da qualidade da
água deve levar em conta o uso e a exposição, ou seja, avaliando-se
cientificamente o risco", opinou a entidade.
Sobre o aumento de toxicidade entre mistura de agrotóxicos, a
entidade afirmou que "deve-se ponderar que não se pode esperar que os defensivos
com diferentes modos de ações para os organismos alvos apresentem toxicidade
acumulativa".
O Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa
Vegetal (Sindiveg), entidade que representa os fabricantes de agrotóxicos,
destacou a avaliação já realizada previamente pela Anvisa, Ibama e Ministério
da Agricultura.
“Garante que eles são seguros ao trabalhador, população rural
e ao meio ambiente sempre que utilizados de acordo com as recomendações
técnicas aprovadas e indicadas em suas embalagens”.
“O setor de defensivos agrícolas realiza iniciativas para
garantir a aplicação correta de seus produtos, uma vez que alguns problemas
estruturais da agricultura como a falta do hábito da leitura de rótulo e bula e
analfabetismo no campo trazem um desafio adicional de cumprimento às
recomendações de uso”, acrescentou o sindicato.
A Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba)
informou que só vai se pronunciar sobre o caso após apurar os dados e
confrontá-los com outros levantamentos.
A Federação da Agricultura e Pecuária do Estado da Bahia e a
Agência de Defesa Agropecuária da Bahia, órgão do governo estadual, foram
procuradas mas em função do feriadão não foram localizados representantes para
se posicionar.
Veja a lista das cidades da Bahia que estão com a água
contaminada, segundo o estudo:
ABARE
AGUA FRIA
AIQUARA
ALCOBACA
ALMADINA
AMARGOSA
AMELIA RODRIGUES
ANAGE
ANDARAI
ANGICAL
ANTAS
ANTONIO CARDOSO
ANTONIO GONCALVES
APUAREMA
ARACATU
ARACI
ARAMARI
ARATACA
ARATUIPE
AURELINO LEAL
BAIANOPOLIS
BANZAE
BARRA DO CHOCA
BARRA DO ROCHA
BARREIRAS
BELMONTE
BIRITINGA
BOA NOVA
BOA VISTA DO TUPIM
BONINAL
BONITO
BREJOES
BROTAS DE MACAUBAS
BRUMADO
CAATIBA
CABACEIRAS DO PARAGUACU
CACHOEIRA
CACULE
CAETANOS
CAETITE
CAIRU
CAMACAN
CAMACARI
CAMAMU
CAMPO FORMOSO
CANAVIEIRAS
CANDEIAS
CANDIDO SALES
CANUDOS
CAPELA DO ALTO ALEGRE
CAPIM GROSSO
CARAIBAS
CARAVELAS
CARDEAL DA SILVA
CHORROCHO
CICERO DANTAS
CIPO
COARACI
CONCEICAO DA FEIRA
CONDE
CONDEUBA
CONTENDAS DO SINCORA
COTEGIPE
CRAVOLANDIA
CRISOPOLIS
CRISTOPOLIS
DARIO MEIRA
DIAS D'AVILA
ELISIO MEDRADO
ENCRUZILHADA
ENTRE RIOS
ESPLANADA
EUCLIDES DA CUNHA
EUNAPOLIS
FATIMA
FEIRA DE SANTANA
FLORESTA AZUL
FORMOSA DO RIO PRETO
GANDU
GAVIAO
GENTIO DO OURO
GLORIA
GONGOGI
GUAJERU
GUARATINGA
IACU
IBIASSUCE
IBICOARA
IBICUI
IBIPEBA
IBIRAPITANGA
IBIRAPUA
IBIRATAIA
IBITIARA
IBITITA
IBOTIRAMA
IGRAPIUNA
IGUAI
ILHEUS
INHAMBUPE
IPIAU
IPIRA
IPUPIARA
IRAMAIA
IRAQUARA
IRARA
ITABELA
ITABERABA
ITABUNA
ITACARE
ITAETE
ITAGI
ITAGIBA
ITAGIMIRIM
ITAGUACU DA BAHIA
ITAJU DO COLONIA
ITAMARAJU
ITAMARI
ITAMBE
ITANAGRA
ITANHEM
ITAPARICA
ITAPE
ITAPEBI
ITAPETINGA
ITAPICURU
ITAPITANGA
ITARANTIM
ITIUBA
ITUACU
ITUBERA
JACARACI
JACOBINA
JAGUAQUARA
JAGUARARI
JAGUARIPE
JANDAIRA
JEREMOABO
JIQUIRICA
JITAUNA
JUCURUCU
JUSSIAPE
LAFAIETE COUTINHO
LAGOA REAL
LAJE
LAJEDAO
LAJEDINHO
LAJEDO DO TABOCAL
LAMARAO
LENCOIS
LICINIO DE ALMEIDA
LIVRAMENTO DE NOSSA SENHORA
LUIS EDUARDO MAGALHAES
MACARANI
MACAUBAS
MAETINGA
MAIQUINIQUE
MAIRI
MALHADA
MALHADA DE PEDRAS
MANOEL VITORINO
MANSIDAO
MARACAS
MARAGOGIPE
MARAU
MARCIONILIO SOUZA
MASCOTE
MATA DE SAO JOAO
MEDEIROS NETO
MIRANGABA
MIRANTE
MORPARA
MORRO DO CHAPEU
MORTUGABA
MUCUGE
MUCURI
MULUNGU DO MORRO
MUNIZ FERREIRA
MUQUEM DE SAO FRANCISCO
MURITIBA
NAZARE
NILO PECANHA
NOVA CANAA
NOVA FATIMA
NOVA IBIA
NOVA REDENCAO
NOVA SOURE
NOVA VICOSA
NOVO TRIUNFO
OLINDINA
OURICANGAS
OUROLANDIA
PALMEIRAS
PARAMIRIM
PAU BRASIL
PAULO AFONSO
PE DE SERRA
PEDRAO
PEDRO ALEXANDRE
PILAO ARCADO
PIRAI DO NORTE
PIRIPA
PIRITIBA
PLANALTINO
PLANALTO
POCOES
POJUCA
PONTO NOVO
PORTO SEGURO
POTIRAGUA
PRADO
PRESIDENTE JANIO QUADROS
PRESIDENTE TANCREDO NEVES
QUEIMADAS
QUIJINGUE
RAFAEL JAMBEIRO
RIACHAO DAS NEVES
RIACHAO DO JACUIPE
RIBEIRA DO AMPARO
RIBEIRA DO POMBAL
RIO DE CONTAS
RIO DO ANTONIO
RIO DO PIRES
RIO REAL
RUY BARBOSA
SALINAS DA MARGARIDA
SALVADOR
SANTA BRIGIDA
SANTA CRUZ CABRALIA
SANTA LUZIA
SANTA TERESINHA
SANTANA
SANTO AMARO
SANTO ANTONIO DE JESUS
SANTO ESTEVAO
SAO DESIDERIO
SAO DOMINGOS
SAO FELIPE
SAO FELIX DO CORIBE
SAO JOSE DA VITORIA
SAO JOSE DO JACUIPE
SAO MIGUEL DAS MATAS
SAO SEBASTIAO DO PASSE
SATIRO DIAS
SAUBARA
SEABRA
SENHOR DO BONFIM
SIMOES FILHO
SITIO DO QUINTO
TANHACU
TAPIRAMUTA
TEIXEIRA DE FREITAS
TEODORO SAMPAIO
TEOFILANDIA
TEOLANDIA
TERRA NOVA
TREMEDAL
TUCANO
UBAIRA
UBAITABA
UBATA
UMBURANAS
UNA
URUCUCA
UTINGA
VARZEA DA ROCA
VARZEA NOVA
VEREDA
VITORIA DA CONQUISTA
WAGNER
WENCESLAU GUIMARAES