Não há consenso entre
especialistas sobre até que ponto as empresas podem obrigar os funcionários a
se imunizar contra a Covid-19, apesar de o STF decidir que a vacinação é
obrigatória.
As empresas podem exigir que
seus funcionários tomem vacina contra a Covid-19? E quem se negar pode sofrer
punições ou até ser demitido? Advogados especializados em direito do trabalho
ouvidos pelo G1 divergem sobre a questão, já que não há uma
regulamentação específica sobre o assunto.
Não há consenso sobre a
questão:
- A
favor da obrigatoriedade da vacina, advogados
argumentam que:
- STF decidiu que é obrigatória
- Empresas são responsáveis por garantir ambiente de trabalho seguro
- Trabalhador não vacinado pode colocar os demais em risco - Contra a
obrigatoriedade, as justificativas são:
- Ninguém é obrigado a fazer algo que não seja definido por lei
- Obrigatoriedade fere o direito de escolha do trabalhador
STF definiu obrigatoriedade
Em dezembro, o Supremo
Tribunal Federal (STF) decidiu que a vacinação contra a Covid-19 é obrigatória
e que sanções podem ser estabelecidas contra quem não se imunizar. E que essas
medidas devem ser implementadas pela União, estados e municípios.
Empresa tem obrigação de
garantir ambiente seguro
Rebeca Cardenas Bacchini,
especialista em Direito e Processo do Trabalho, explica que existe a
possibilidade de o empregador determinar a vacinação dos empregados sob o
argumento da sua responsabilidade em manter o ambiente de trabalho saudável e
seguro, com base na Constituição, que fixa como direito dos trabalhadores a
"redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde,
higiene e segurança".
"Desse direito subjetivo
do trabalhador nasce o consequente dever do empregador de garantir um ambiente
de trabalho saudável e seguro", diz.
Além disso, segundo ela, a
vacinação pode ser considerada como de interesse coletivo, o que
justificaria, em tese, até a dispensa por justa causa do empregado que se
recusa a vacinar.
Isso porque o empregado não
vacinado poderia colocar em risco a saúde dos demais trabalhadores e, portanto,
seria dever do empregador o afastamento daquele funcionário para preservar o
ambiente de trabalho e a saúde dos demais empregados, fazendo com que a
liberdade individual não prevaleça sobre o interesse coletivo.
Argumentos contra
Parte dos advogados entende
que os empregadores não poderão exigir a vacinação dos trabalhadores.
Segundo Rebeca Bacchini, a
Constituição também determina que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer
algo, senão em virtude de lei, ou seja, o empregador não pode
estabelecer essa regra sem que haja uma norma legal.
"Apesar do argumento da
preservação da saúde da coletividade, enquanto não houver lei prevendo como
requisito para manutenção ou admissão no emprego a vacinação contra o
coronavírus, é inviável a iniciativa do empregador de romper o vínculo,
com ou sem justa causa. Com justa causa não seria possível, pois não haveria
falta grave do empregado; sem justa causa não seria praticável, pois a dispensa
poderia ser considerada discriminatória e, portanto, abusiva", afirma.
Para a advogada, qualquer
regra jurídica com restrição ao emprego deve ser criada unicamente pela União,
que tem a competência exclusiva para legislar sobre o direito do trabalho.
Logo, ainda que estados e municípios criem regras para a vacinação da
população, o empregador não poderá se basear nessas normas para justificar
eventual dispensa de empregado que não se imunizar.
Fernando de Almeida Prado,
advogado, professor e sócio do BFAP Advogados, considera que a empresa não pode
desligar um funcionário por justa causa porque ele se recusou a tomar vacina,
da mesma forma que não pode abrigá-lo a se imunizar.
"Mesmo que o STF entenda
que é uma obrigação do poder público vacinar todas as pessoas, não cabe à
empresa obrigar os seus funcionários a tomarem a vacina. O que ela pode,
eventualmente, é apontar para as autoridades públicas que uma pessoa está se
recusando e aí o problema é da autoridade pública e não da empresa, que não
pode obrigá-lo a isso. Da mesma forma, não pode impedir a entrada de um
colaborador por não ter tomado vacina", diz.
De acordo com ele, a empresa
pode, caso alguns funcionários apresentem risco relacionado à Covid-19,
obrigá-los a trabalhar de um local que não seja a sede, pensando na saúde dos
funcionários que estão presentes. "É comum que algumas empresas impeçam
funcionários que tiveram contato com trabalhadores ou com qualquer pessoa que
tenha Covid-19 de trabalhar fisicamente na sede".
Para Marilia Grespan, advogada
da área trabalhista do escritório Miguel Neto Advogados, a
obrigatoriedade fere a livre escolha do colaborador e pode dar margem para
processos trabalhistas.
"Do ponto de vista
empresarial, o risco ainda é alto. A tendência hoje é orientar os
trabalhadores, fazer campanhas internas", afirma.
Argumentos a favor
Alguns advogados ouvidos
pelo G1, no entanto, veem como uma possibilidade o empregado ser
demitido por se recusar tomar a vacina.
Flavio Aldred Ramacciotti,
sócio da área trabalhista de Chediak Advogados, com a decisão do STF
determinando a obrigatoriedade da vacina, a empresa poderá exigir isso dos
empregados. "Mas a questão é controversa e deverá ser resolvida com
bom senso e à luz de cada caso específico", opina.
Daniel Moreno, sócio do
escritório Magalhães & Moreno Advogados, aponta que a tendência é que as
empresas tomem atitudes restritivas não apenas por conta da saúde dos
funcionários, mas por razões econômicas. "A legislação atual não traz uma
solução para o problema. Assim, entendo que cada caso deve ser analisado
individualmente", diz.
Para Rafael Camargo Felisbino,
advogado e especialista em direito e processo do trabalho, o empregado que se
recusar a tomar a vacina pode ser demitido por justa causa, já que estará
colocando a saúde de todos os colegas em risco.
"Além disso, é obrigação
da empresa zelar pelo ambiente e pela saúde de seus empregados. Mas é
recomendável que haja uma tentativa de conversa antes de medidas mais definitivas.
Ou que a justa causa seja precedida de uma advertência ou suspensão, ainda mais
se esta for a primeira recusa e o empregado em questão tiver um histórico bom
na empresa", opina.
Na opinião de André Leonardo
Couto, gestor da ALC Advogados, o empregado que se recusar a tomar a vacina
poderá ser impedido de entrar na empresa e, até mesmo, ser dispensado por justa
causa.
"Se a empresa inseriu em
seu regulamento empresarial regras sobre adesão à campanha de vacinação da
Covid-19, cabe aos empregados observarem as normas de segurança e medicina do
trabalho. Caso o empregado se recuse a tomar a vacina, poderá ser impedido de
entrar na empresa. Além disso, poderá ser advertido ou suspenso do trabalho.
Caso ele insista na recusa, após a aplicação das penas disciplinares, poderá
ser dispensado por justa causa", alerta.
Bianca Canzi, advogada
trabalhista do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, observa que ainda
não há um entendimento jurisprudencial e nenhuma lei.
"Porém, a empresa poderá
demitir ou afastar o funcionário, pois entendo que a vacina fará parte das
regras de prevenção", diz.
Fabio Chong, sócio da área
trabalhista do L.O Baptista Advogados, afirma que, considerando o cuidado
coletivo, as empresas poderão ganhar força na questão da obrigatoriedade, já
que a decisão de tomar ou não a vacina não prejudicará apenas a pessoa em
questão, mas todos que estão no mesmo ambiente.
"Com a decisão favorável
do Supremo, está fortalecida a decisão de as empresas imporem a obrigatoriedade
da imunização. Considerando que a companhia tem a obrigação de zelar pelo
ambiente de trabalho saudável, eu acredito que seja razoável essa decisão
pensando no bem coletivo", diz.
Exigência de comprovante
Para Lariane Del Vechio,
advogada especialista em Direito do Trabalho e sócia do escritório BDB
Advogados, a obrigatoriedade definida pelo Estado permite que as empresas
exijam comprovantes de vacinação aos seus empregados.
"A Norma Regulamentadora
9 do Ministério da Economia, por sua vez, atribui ao empregador a responsabilidade
pela saúde dos trabalhadores. Se é uma obrigação do empregador zelar pelo meio
de trabalho seguro e saudável, as empresas podem restringir a circulação em seu
ambiente de pessoas não imunizadas e a sua desobediência pode gerar
demissão", diz.
Flavio Aldred Ramacciotti e
Bianca Canzi também consideram que a empresa poderá exigir o
comprovante do funcionário.
"A vacina terá que ser
considerada obrigatória pelo poder público. Porém, entendo que as empresas
poderão ter seu próprio controle. Por se tratar de uma pandemia e na
hipótese de a vacinação ser considerada obrigatória, a empresa poderá exigir o
comprovante do funcionário", diz Bianca Canzi.
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