‘Só mexia o pescoço’: almoço de família termina com 3 internados por Doença de Haff

Pais e filho se contaminaram após comer badejo fresco comprado em famosa peixaria de Salvador


Durante cinco dias, a família de Ademir Clavel viveu um drama no Hospital Cardio Pulmonar, em Salvador. Horas após um simples almoço com um casal de amigos, a esposa e o filho do funcionário público começaram a sentir sintomas como fraqueza, dor de cabeça e dor muscular. Mais tarde, Vânia Clavel chegou a apresentar urina da cor de café e perdeu os movimentos após seus músculos 'travarem', conseguindo mexer apenas o pescoço. Ligaram para vizinhos médicos, que os orientaram: “Corram para a emergência”. Foi assim que descobriram uma contaminação pela misteriosa Doença de Haff.

E por quê misteriosa? Graças à baixa infectividade, as causas da enfermidade ainda são nebulosas, de acordo com o médico e professor da Universidade Federal da Bahia, Washington Luís. Para se ter uma ideia, os primeiros casos da doença no estado foram registrados entre 2016 e 2017. Foram 71 contaminados, 66 deles em Salvador, resultando em dois óbitos.

O que se sabe é que os casos estão ligados à ingestão de pescados, como o peixe Olho de Boi, também conhecido como Arabaiana. Foi o que Ademir, Vânia, e o filho, Matheus, comeram no dia da infecção, um badejo fresco, preparado em casa e comprado em uma famosa peixaria da cidade, que entrega às sextas-feiras por delivery e chega a ter 15 mil seguidores no Instagram. Ademir preferiu não revelar o nome do local.

Ele conta que compra no comércio regularmente, e essa foi a primeira vez que o incidente teria ocorrido. Na ocasião da infecção, ele também havia convidado dois amigos para o almoço. Uma delas ficou 10 dias internada no Hospital Evangélico, em Brotas. Procurada, ela escolheu não conceder entrevista, por afirmar ainda estar abalada pelo caso.

Já Ademir não apresentou caso tão grave, ficou somente um dia internado. “Eu fui caminhar no Dique do Tororó e comecei a sentir um cansaço. Já minha esposa teve aulas de pilates durante a tarde. Por isso, à noite, quando ela começou a sentir os músculos ‘travados’ após o banho, achamos que era isso. Um tempo depois, ela só conseguia mexer o pescoço”, conta.

“Ligamos para os nossos vizinhos médicos e, quando contamos da urina preta, eles mandaram irmos na emergência imediatamente. Fiquei um dia internado, meu filho, três, e minha esposa, cinco”.

O caso aconteceu no final do mês de julho. Mas, mesmo após a alta hospitalar, ele conta que os efeitos colaterais permanecem, com os músculos ainda enfraquecidos, dor de cabeça e mal-estar. A família e o Hospital notificaram a Vigilância Sanitária, órgão atrelado à Secretaria Municipal de Saúde (SMS). Procurada, a SMS não deu um retorno até a publicação da reportagem.

Mas os casos não são isolados no estado e, de acordo com o profissional de saúde, a tendência é que cresçam em quantidade. “Em geral, são casos que conseguimos controlar. São resultados da ingestão de pescados. Acontece que as algas de que eles se alimentam produzem, durante a metabolização dos peixes, uma toxina que ainda não conhecemos bem. Quando ingerida por humanos, essa toxina provoca uma reação inflamatória nos músculos, e, dependendo do grau da inflamação, pode gerar falência de órgãos, por conta da destruição dos músculos em grande quantidade”, explica.

Washington Luís explica que o motivo de a ciência ainda não ter grande quantidade de informações sobre toxina acontece graças à baixa infectividade da doença, que é recente, e não recebe tanta atenção dentre os cientistas. Em 2021, foram notificados oito casos nos municípios de Alagoinhas, Simões Filho, Maraú, Mata de São João e Salvador, nos meses de janeiro, março, maio, junho e agosto respectivamente. Até o momento dois casos foram descartados e seis permanecem em processo de investigação, de acordo com a Secretaria Estadual de Saúde (Sesab). Ainda segundo a Sesab, todos os casos notificados que necessitaram de hospitalização já receberam alta hospitalar.

O biólogo Francisco Kelmo afirma que a suspeita na comunidade científica é que o peixe esteja se alimentando de alguma fonte contaminada e que a toxina se armazene no corpo dele. “A outra possibilidade é que o peixe, ao se alimentar de determinado tipo de alimento, produza a toxina, que não faz mal a ele, mas a quem o ingere”, explica Kelmo.  

Especialistas explicam sintomas e prevenção
De acordo com o diretor do Instituto de Biologia da UFBA, os sintomas costumam aparecer entre 2 e 24 horas após o consumo de peixes. “Os músculos ficam rígidos rapidamente, há dores musculares, dor abdominal ou torácica, às vezes pode haver dificuldade para respirar, além de uma perda de força generalizada e a característica urina preta. Os rins são os órgãos que mais sofrem, pois tentam eliminar a toxina do corpo”, detalha Kelmo.

Geralmente, o paciente sente os sintomas de forma progressiva. “O sinal mais importante é a urina da cor de café e, do ponto de vista laboratorial, o a elevação sérica de uma enzina chamada creatinofosfoquinase (CPK), responsável pela contração muscular”, diz Washington. Por isso, a recomendação da Sesab é a de verificação da procedência antes da compra dos peixes de água doce e crustáceos.

"Antes de adquirir qualquer alimento verificar a procedência, a qualidade do produto que está sendo adquirido, verificar se o estabelecimento tem alvará de funcionamento e se as boas práticas de acondicionamento e manipulação dos alimentos são respeitadas. O ideal é adquirir estes produtos em locais cuja procedência ofereça segurança", diz a nota.

A Secretaria Estadual de Saúde ainda afirma que, através da Diretoria de Vigilância Epidemiológica e da Vigilância Sanitária e Ambiental, vem acompanhando todos os casos notificados e apoiando os municípios com relação a importância da notificação, investigação dos casos, coleta de material para exames laboratoriais, tratamento e recomendações.
 
Em caso da aparição de sintomas, como dor muscular aguda e muito intensa, de início súbito, e urina escura após consumo de peixes ou crustáceos, a recomendação é a busca imediata de uma unidade de saúde. "É importante que a doença seja identificada e tratada rapidamente, isso porque a doença pode evoluir rapidamente e trazer complicações para a pessoa, como insuficiência renal e falência múltipla de órgãos", finaliza Washington. 

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