Neuropsiquiatra explica que tristeza e prostração também
podem aparecer, mas em fase mais avançada da doença
Alterações no sono, cansaço excessivo (inclusive mental),
dores no corpo, dificuldade de concentração, mudança de peso sem dieta
específica e perda do interesse por atividades que costumavam ser prazerosas.
Estes são sintomas que costumam aparecer logo no início da depressão, mas que
podem passar despercebidos até que a doença cause prejuízos individuais mais
significativos.
Recentemente, uma pesquisa mostrou que o diagnóstico de
depressão cresceu 40% no Brasil nos três primeiros meses de 2022, na comparação
com o período pré-pandemia.
O neuropsiquiatra Marco Antonio Abud, fundador do canal Saúde
da Mente, no YouTube, explica que a tristeza, a falta de apetite e não
sair da cama, por exemplo, são sintomas os mais associados à depressão, mas
pontua que "quando está nesse quadro, não quer dizer que já não tem jeito,
mas seria possível identificar antes".
Desinteresse
O especialista ressalta que o "sintoma-raiz" da depressão
é "a perda da capacidade de sentir emoções positivas".
"A pessoa começa a se envolver menos em atividades
sociais e atividades que ela gostava de fazer. Ela pode até só conseguir
trabalhar, mas para de fazer tudo o que gostava depois, de sair com os amigos,
ir para happy hour, jogar futebol... ela vai se arrastando para o trabalho,
volta para casa e fica deitada."
Quando o indivíduo com depressão faz alguma atividade social
também pode ser percebido que ele está "aéreo" ou esquecendo o que o
interlocutor fala.
Ele chama atenção para o fato de que muitas pessoas esperarem
a motivação para fazer as coisas, quando deve ser o contrário.
"Uma vez que nós temos contato com conexões de
qualidade, com coisas que são valiosas, prazerosas, com objetivos, isso é o que
vai liberar dopamina em alguns circuitos específicos [do cérebro] e vai gerar
motivações. Quando nos afastamos de coisas positivas, temos cada vez menos
energia. Isso vai virando um ciclo vicioso."
Sono e cansaço
Dormir poucas horas ou demais também é um sinal de que algo
pode estar errado. Normalmente, pessoas com depressão podem estar sempre
esgotadas física e mentalmente, mesmo após longas horas de sono.
Abud recomenda a realização de exames para detectar ou descartar
outras doenças ou deficiências de nutrientes que também podem causar sintomas
parecidos – falta de vitamina D, anemia e hipotireoidismo, por exemplo.
Manter um bom padrão de sono também é essencial para prevenir
quadros depressivos, de acordo com o neuropsiquiatra.
Alterações intensas de peso
Outro sintoma que deve ser observado, especialmente por quem
faz parte do círculo próximo, são variações no peso em um intervalo de três a
quatro meses.
"[Alterações] muito para cima ou para baixo, exceto se a
pessoa estiver fazendo uma dieta específica", pontua Abud.
Idosos com depressão, por exemplo, podem apresentar falta de
apetite e consequente perda de peso.
Dores no corpo
Diversas condições podem causar dores, por isso é necessário
procurar especialistas para descartar outras doenças, especialmente as
reumatológicas e musculoesqueléticas.
Marco Antonio Abud esclarece que não se trata de dor
psicossomática e que este é um conceito errado e ultrapassado.
"A depressão aumenta a sensibilidade à dor, a gente
sente dor com menos estímulo. Isso não é psicológico, é testado clinicamente. O
centro da dor fica mais ativado, a pessoa sente dor nas juntas, dor de
cabeça... Se isso estiver persistindo por mais de um mês, dois meses, é
importante pensar nisso [suspeita de depressão]."
Dificuldade de concentração
Segundo o médico, "é basicamente impossível ter um
quadro depressivo sem que haja alguma alteração, maior ou menor, na sua
concentração e na sua performance mental".
A pessoa com depressão começa a apresentar dificuldades ou a
cometer erros que não cometia anteriormente no trabalho, por exemplo.
Além de problemas de concentração, é comum que haja
esquecimentos, sensação de "estar ficando burro", dificuldade para
tomar decisões e fala mais lenta do que o habitual, acrescenta o
neuropsiquiatra.
Ruminações depressivas
O cansaço mental e a dificuldade de concentração são explicáveis
por um padrão de pensamento característico de quem sofre de depressão que é
chamado de ruminações depressivas.
"[São] pensamentos negativos que focam em si mesmo e não
conseguem focar no outro, no mundo, no futuro. A pessoa fica presa em um padrão
de ruminação procurando por que a coisa está acontecendo e procurando no
passado", exemplifica o médico.
De forma repetitiva, o indivíduo fica tentando entender o
motivo de algumas frustrações e problemas pessoais, por exemplo, sem utilizar
uma fórmula que seria mais eficaz: buscar como resolver e o que vai
fazer.
"O 'por que' mantém a pessoa no quadro depressivo",
afirma Abud.
A partir daí, se esse pensamento ruminante não for bloqueado,
a tendência é que o indivíduo com depressão chegue a três conclusões:
sentimento de culpa, de inutilidade ("não tenho valor como pessoa") e
de desesperança ("não há saída").
"Esse tipo de pensamento consome muita energia. Até quem
não tem depressão, se ficar preso nesse tipo de pensamento, não consegue se
concentrar em mais nada, isso é altamente cansativo, consome muita energia
mental. A pessoa tende a se isolar e deixar de fazer coisas que ativam o centro
da motivação."
E aí cria-se um ciclo vicioso baseado em culpa → ruminação →
perda de energia → deixar de fazer coisas importantes/prazerosas.
Como quebrar esse padrão?
Todos nós temos pensamentos negativos, mas a pessoa com
depressão começa a acreditar muito neles, alerta o médico.
"A nossa mente produz pensamentos o tempo todo, e alguns
não têm o menor sentido, é como se fossem bugs no sistema", exemplifica,
ao destacar que é fundamental "perceber e começar a duvidar desses
pensamentos, porque não são verdadeiros".
É por meio da psicoterapia que o paciente com depressão vai
aprender a substituir os pensamentos ruminantes.
A depressão conta uma mentira para a
gente. A pessoa vai vendo o mundo sob a ótica dessas ruminações. Você vê o
mundo em uma lente cinza, não tem colorido, e ela acredita nesses pensamentos.
MARCO ANTONIO ABUD
Diagnóstico e tratamento
Existe um teste que pode ser feito – é possível encontrá-lo
na internet – que vai sugerir se o indivíduo pode estar com depressão. É
chamado de PHQ-9. Todavia, ele não substitui o diagnóstico feito por um médico
ou psicólogo.
A recomendação de Abud é que a pessoa faça o teste e procure
ajuda especializada. Ele salienta que em muitos casos o tratamento pode ser
feito sem o uso de medicamentos antidepressivos.
"Nos casos em que [a depressão] está leve, moderada ou
moderadamente intensa, pode-se optar – sempre sob orientação de um profissional
– por fazer um tratamento não medicamentoso, em que a pessoa não precisa tomar
um antidepressivo. O antidepressivo se torna necessário em quadros que o
prejuízo é muito intenso, a pessoa está muito paralisada."
Os remédios atuam para restaurar a neuroplasticidade, que é a
capacidade de criarmos novas conexões entre os neurônios (sinapses) nas áreas
do cérebro responsáveis pelo prazer, concentração e socialização, de forma mais
rápida para que o paciente consiga dar os próximos passos do tratamento.
A terapia cognitivo-comportamental específica para depressão
funciona como uma espécie de "musculação" do cérebro. É um método
amplamente utilizado e bem-sucedido nos tratamentos.
Outros aliados no tratamento são o exercício físico regular e
a alimentação.
"A atividade física atua em três principais mecanismos:
produz endorfina, que é como se fosse uma morfina do próprio corpo, uma
substância que tira a dor e é gostosa. Nem sempre você vai ter isso logo no
início, por isso o exercício tem que começar muito pouco sofrido. Aumenta a
liberação de serotonina em algumas áreas, mas para isso acontecer, precisa de
algumas semanas. O importante é ter algum exercício que você consiga manter. Diminui
os níveis de hormônios inflamatórios, diminui níveis de cortisol e permite que
essas sinapses, esses caminhos neuronais, cresçam", diz o médico.
Na alimentação, é preciso evitar comidas que estimulam
processos inflamatórios no organismo e aumentar o consumo daquelas que têm
comprovadamente efeitos antidepressivos.
"O maior inimigo da depressão em termos de alimentação é
o açúcar refinado. [...] O cérebro precisa de glicose o tempo todo, se fica uma
gangorra durante o dia, a gente vai ter pico de estresse e pico de sonolência.
A proteína segura isso. A farinha branca piora isso. [...] Essa gangorra de
humor vai gerando um estado inflamatório no corpo."
Alimentos ricos em ômega-3 (peixes gordos, aveia e semente de
chia, por exemplo) e probióticos, como iogurte, são indicados pelo
médico.
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