Mais um surto foi confirmado na Índia; o patógeno, que faz
parte da lista de prioridades da OMS, é transmitido por secreções de morcegos —
e não há vacinas ou remédios para combatê-lo até o momento
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Vírus é transmitido por morcegos e porcos — Foto: Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA/ Unsplash |
A Índia registrou mais um surto do vírus Nipah.
Segundo as últimas informações divulgadas, os cinco casos e as duas mortes
aconteceram no Estado de Kerala, no sul do país.
Esse é o quarto episódio de infecções relacionadas a esse
patógeno nesta região indiana desde 2018.
Mas será que existe o risco de o vírus se espalhar para
outros lugares e eventualmente chegar até o Brasil?
Segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, a probabilidade
de uma disseminação rápida do Nipah é pequena, ao menos por enquanto.
Mesmo assim, é importante que as autoridades nacionais e
internacionais fiquem em alerta, defendem eles.
"Atualmente, todos os casos relatados estão relacionados
às regiões geográficas onde são encontrados morcegos que carregam o vírus. Por
isso, o Brasil não tem um risco atual para a introdução do Nipah", diz a
médica veterinária Helena Lage Ferreira, presidente da Sociedade Brasileira de
Virologia.
O virologista Fernando Spilki, da Universidade Feevale, no
Rio Grande do Sul, pondera que o grande trânsito de pessoas e a
globalização aumentam a probabilidade de vírus e outros patógenos
viajarem de um canto do mundo ao outro — mas existem formas efetivas
de lidar com o surto quando ele afeta uma região específica.
"O mais importante está justamente em rastrear os
pacientes e os contatos próximos deles, para evitar que uma pessoa com vírus se
desloque para outros locais e crie novas cadeias de transmissão", aponta
ele.
Conheça a seguir os detalhes sobre o Nipah — e o que precisa
ser feito para que ele não vire um problema de saúde pública ainda mais grave
daqui em diante.
A situação de momento na Índia
Nos últimos dias, escolas e escritórios foram fechados em
algumas regiões no Estado de Kerala depois que cinco indivíduos testaram
positivo para o vírus Nipah.
As autoridades locais disseram na quarta-feira (13/9) que 706
pessoas foram avaliadas, incluindo 153 trabalhadores da área de saúde.
Até o momento, foram confirmados cinco casos da infecção.
Desses, dois indivíduos morreram e os outros três (incluindo uma criança) estão
hospitalizados.
Os pacientes foram identificados no distritito de Kozhikode,
ao norte do Estado. As duas mortes ocorreram entre o final de agosto e o início
de setembro.
Pinarayi Vijayan, ministro-chefe de Kerala, pediu que as
pessoas evitem aglomerações em Kozhikode pelos próximos dez dias.
Ele ainda orientou que os moradores usem máscaras e só
visitem hospitais em situações de emergência.
Segundo Vijayan, não há motivo para pânico e
todos os indivíduos que estiveram em contato com as vítimas estão sendo
observados.
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Equipes saíram às ruas de cidades de Kerala colhendo amostras para testes — Foto: REUTERS via BBC |
Nipah: que vírus é esse?
A Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que o vírus Nipah
foi identificado pela primeira vez em 1999, durante um surto que acometeu uma
fazenda de suínos na Malásia. Desde então, este país não teve mais nenhum
episódio da doença.
O nome Nipah, aliás, vem da vila malaia onde o vírus foi
isolado há 24 anos.
O patógeno pertence à família dos paramixovírus,
a mesma da qual fazem parte os causadores da caxumba e do sarampo.
Outro integrante do grupo é o Hendra, agente infeccioso
emergente que também preocupa os cientistas.
"Na natureza, o Nipah circula em morcegos frugívoros que
vivem principalmente na Ásia, mas também são encontrados na Indonésia e na
Austrália", explica Spilki.
Os principais reservatórios do vírus são os morcegos do
gênero Pteropus, segundo o Centro de Controle e Prevenção de
Doenças (CDC) dos Estados Unidos. Eles têm grande porte e são conhecidos
popularmente como "raposas voadoras".
A transmissão do Nipah para seres humanos acontece por meio
do contato direto com os morcegos, bem como com os fluidos corporais deles
(saliva, urina) ou por contato com as fezes.
Outra forma de transmissão se dá pelo consumo de alimentos
contaminados pelo animal.
Há casos registrados da doença que ocorreram depois que os
pacientes comeram frutos crus ou tomaram a seiva de palma que apresentava
material orgânico advindo dos morcegos.
Outras vítimas frequentes do Nipah são os suínos. E o
vírus pode ser passado de porcos infectados para seres humanos.
Há casos registrados de infecção por este patógeno em outros
animais domésticos, como cães, gatos, cabras, cavalos e ovelhas, de acordo com
a Organização Mundial de Saúde Animal (WOAH, na sigla em inglês).
A transmissão de pessoa para pessoa também é possível.
"Indivíduos que têm contato com esse vírus podem
apresentar sintomas graves, como problemas respiratórios e encefalite
[inflamação do cérebro]", resume Ferreira, que também é professora da
Universidade de São Paulo (USP).
"A letalidade chega a 70% entre os infectados",
complementa ela.
Para ter ideia, a Covid-19 antes da disponibilidade de
vacinas tinha uma letalidade que beirava os 3%. Já na gripe, causada pelo vírus
influenza, essa taxa fica em 0,2 a 0,5%.
Por ora, não existe imunizante ou remédio capaz de
prevenir ou tratar a infecção pelo Nipah.
"As vítimas recebem um tratamento de suporte, que tenta
mitigar os sintomas conforme eles aparecem", acrescenta Spilki.
Segundo a OMS, o tempo de incubação (período entre a
invasão viral e o início dos sintomas) varia de 4 a 14 dias. Mas há casos
registrados em que essa "espera" para o aparecimento dos incômodos
levou até 45 dias.
Entre os sintomas, a organização destaca que pacientes
costumam apresentar inicialmente febre, dor de cabeça, dor muscular, vômitos e
dor de garganta.
"Isso pode ser seguido por tontura, sonolência,
alteração de consciência e outros sinais neurológicos de uma encefalite",
diz o texto.
Alguns indivíduos ainda sofrem quadros de pneumonia e outros
problemas respiratórios severos. Nos casos mais graves, a progressão para o
coma leva entre 24 e 48 horas.
Histórico recente
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Morcegos do gênero Pteropus são os reservatórios do Nipah na natureza — Foto: GETTY IMAGES via BBC |
Como mencionado anteriormente, o primeiro surto de Nipah
aconteceu em 1999 numa fazenda de suínos na Malásia. À época, casos também
foram identificados em Singapura.
Para conter a crise antes que ela ganhasse proporções
maiores, autoridades determinaram o sacrifício de mais de um milhão de porcos
que viviam nas regiões afetadas, lembra a WOAH. A entidade destaca que o Nipah
tem um "efeito zoonótico devastador".
Dois anos depois, em 2001, o Nipah foi detectado em
Bangladesh. Desde então, o país tem surtos com o patógeno praticamente todos os
anos.
A Índia é outro local que sofre com casos esporádicos. Desde
2018, o Estado de Kerala é acometido por episódios da doença.
A OMS admite que outros países do Sudeste Asiático e da
África apresentam risco de infecções pelo Nipah, uma vez que esse vírus foi
observado em morcegos que habitam esses locais. É o caso de Camboja, Gana,
Indonésia, Madagascar, Filipinas e Tailândia.
Entidades apontam que o "pulo" do Nipah de morcegos
para outras espécies pode estar relacionado com a destruição de recursos
naturais pelo ser humano.
Talvez, como resultado do desmatamento, as criações de suínos
na Malásia onde o surto se originou inicialmente possuíam algumas árvores
frutíferas que atraíam os morcegos da floresta tropical, expondo assim os
porcos domésticos à urina e às fezes contaminadas.
— Organização Mundial de Saúde Animal (WOAH, na sigla em
inglês).
Um fenômeno parecido é observado agora na Índia, como
destacou uma reportagem publicada pela agência Reuters.
A gravidade da infecção e todo o contexto global atual
fizeram com que a OMS incluísse em 2018 o Nipah na lista de doenças
prioritárias para pesquisa e desenvolvimento de novas formas de prevenção e
tratamento.
Uma nova pandemia?
Por ora, o risco de o Nipah se espalhar e se transformar em
algo mais grave, como uma epidemia ou uma pandemia, é baixo, segundo os
especialistas.
Spilki destaca que a prevenção necessária para evitar esse
cenário está em curso na Índia.
"As autoridades indianas estão fazendo aquilo que foi
realizado para lidar com os surtos anteriores: monitorar os casos e rastrear os
possíveis contatos", destaca o virologista.
"Para ter ideia, mesmo com duas mortes confirmadas até o
momento, eles já testaram mais de 700 pessoas que tiveram algum contato direto
ou indireto com as vítimas."
"É justamente isso o que precisa ser feito para
encontrar pessoas infectadas, para que elas sejam isoladas e devidamente
atendidas. Isso evita a dispersão do vírus para outras regiões", conclui
ele.
Spilki ainda destaca que, além dessa ação local, é importante
que as autoridades sanitárias e os governos de todo o mundo fiquem em alerta.
"Principalmente para monitorar indivíduos que apresentam
sintomas sugestivos e passaram pela região de surto", diz ele.
O pesquisador aponta que o Brasil tem capacidade e
estrutura para realizar essa contenção, se necessário.
Lage concorda com a necessidade de manter um estado alerta
por parte das autoridades, mas ressalta que o morcego que carrega esse vírus
não está presente em nosso país — além disso, o fato de a transmissão de uma
pessoa para outra não ser tão fácil assim representa um alívio.
"Como fator de prevenção, aqueles que vão visitar áreas
em que surto está ocorrendo devem sempre evitar contato com infectados",
sugere ela.
"Nesses locais, também é importante não comer frutas
cruas ou outros produtos que possam ter contato com a saliva e as secreções dos
morcegos", conclui a virologista.
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