Para muitos, terminar um relacionamento equivale a uma morte emocional e social. Isso porque, culturalmente, aprendemos a negar a perda e nos submeter a situações degradantes para corresponder tanto às nossas idealizações internas quanto às expectativas externas. Contudo, de acordo com a psicóloga e psicanalista Raquel Baldo, este é um movimento perigoso que denuncia uma angústia existencial.
![]() |
Foto: Freepik |
“Quando optamos por algo que nos provoca infelicidade,
levantamos questões de baixa autoestima muito relevantes. Aliás, estar
fragilizada pode nos fazer manter situações que apenas reforçam um estado de
inexistência, inclusive um relacionamento. Quebrar isso é necessário para
compreendermos que podemos existir por nós mesmas”, declara.
Claro, estruturar tal pensamento pode ser difícil, mas é
possível. Para que possamos reavaliar se estamos em vínculos amorosos que nos
potencializam — ao invés de nos diminuir — separamos oito sinais que indicam
que, às vezes, o melhor caminho pode ser o término. Veja a seguir:
1. Estranheza no ar - De acordo com Raquel, os primeiros sinais de que o
relacionamento pode não estar dando certo envolvem sensações de incômodo. “A
estranheza, o medo e as dúvidas começam a surgir internamente, ainda que a
relação continue normal. É aquele sentimento de que algo está errado, só não
sabemos exatamente o que é”, aponta. Nesta fase, a psicanalista afirma que as
mágoas e rancores ainda não entraram em cena.
Contudo, estes pensamentos que acabam nos fazendo cogitar
terminar devem ser analisados com bastante atenção. “Pode ser que você esteja
mudando e não está conseguindo ficar tão satisfeita quanto antes. Independente
do que seja, é um período de alerta e reflexão.”
2. A companhia não agrada mais - Após esse período de
inquietação interna, o relacionamento começa a sofrer com alguns eventos
externos. O excesso de individualidade é um deles. E quando nos sentimos
solitários até mesmo na presença do próximo, a atenção deve ser redobrada.
Baldo esclarece que isso representa uma falha na conexão, onde a ideia de estar
acompanhado pelo parceiro traz medo e até um certo desconforto.
3. Honestidade cruel - A perda de filtro em discussões também é um grande
sinal de alerta. Por mais que a honestidade seja primordial em relacionamentos,
é necessário estruturar os nossos argumentos para não sermos cruéis e apenas
apontar erros alheios. “Quando isso acontece, perdemos a chance da questão ser
construtiva. Isso representa que não damos conta do que sentimos e jogamos no
outro. É uma imaturidade”, diz Raquel.
Para evitar que o relacionamento caminhe para um possível
término através de diálogos destrutivos, nutra um senso de intimidade
emocional. “Numa relação saudável, os casais se sentem à vontade para discutir
medos e angústias. Mas para chegar nisso, é necessário falar e ouvir. Criar uma
estrutura de amparo dos dois lados”, aconselha.
4. Crises fazem parte do cotidiano - Para a psicanalista, diferente
dos conflitos, as crises podem ser evitadas. “Estar em crise é bloquear a
união. Estou te culpando, apenas eu estou certa. Quero falar, mas não vou te
ouvir. As pessoas acham que isso é uma ‘D.R.’, mas definitivamente não é”,
reforça.
Quando o casal não é capaz de chegar a um consenso para
resolver determinados problemas, há uma séria desconexão no vínculo amoroso.
“As crises não precisam fazer parte da relação. Por isso, devemos aceitar que o
conflito é uma chance de crescimento. E, às vezes, a conversa precisará
acontecer em vários capítulos. Isso evita que as coisas saiam do controle.”
5. A rotina não tem espaço para o outro - Baldo explica que a rotina pode
ser positiva para sabermos os espaços onde podemos estar juntos. “Existem
vários processos que tomam o nosso tempo. A vida é muito mais do que ser um
casal. E é por isso que, no início dos namoros, as pessoas pegam aquele horário
livre para ter um date”, explica.
Contudo, a rotina deixa de ser benéfica quando nos coloca num
estado de automatismo e anulação: “Quando o outro não pertence mais a sua
estrutura de vida, é um problema. Tenho a minha academia, amigas, viagens no
meio do ano… Até podemos fazer alguns compromissos juntos, mas se prestarmos
atenção, não existe um momento de encontro. Só existe o cumprir funções,
semelhante a um trabalho contínuo.”
A psicóloga alerta que, caso a sua motivação seja
exclusivamente acordar e dormir fazendo coisas que não envolvem o próximo, há
um risco bem relevante que merece a sua atenção.
6. Conformismo - No início dos vínculos amorosos, sentimos uma intensa
pulsão amorosa. Mas, com o passar do tempo, vivenciamos a repetição de antigos
movimentos. “É o famoso: ‘Casamento é assim mesmo’. ‘Marido é assim mesmo’.
‘Nem nos beijamos porque estamos há muito tempo’. Normalizar a falta de afeto e
sintonia é um problema.”
“Se eu percebo que sua voz está estranha, e deixo esse
detalhe passar, é porque aquilo está perdendo a importância para mim. Isso
acontece sutilmente, até que a nossa individualidade ganha um traço diferente
onde o outro está apenas lá”, esclarece.
7. Indiferença - A psicanalista também afirma que, a partir do momento
que nos sentimos indiferentes à outra pessoa, a relação pode estar perdida. “O
contrário do amor não é a raiva ou o ódio. Essas reações emotivas vêm de um
lugar amoroso. Se eu estiver magoado, é porque ainda te amo ou me importo. Mas
quando o que você faz não me impacta de forma alguma, acabou”, declara.
Ela reitera que a indiferença não precisa acontecer num tom
cruel para percebermos a sua presença. “Este sentimento de apatia se manifesta
de forma sutil. É o famoso ‘tanto faz’. Quando não esperamos mais nada, não
acreditamos em nada, e pensamos que é melhor ‘deixar assim mesmo’, estamos
falando de um lugar onde a relação já não existe.”
8. Lutar para manter a relação - Raquel faz uma provocação: até
que ponto vale a pena lutar para manter um relacionamento? “Se estar num
relacionamento representa uma luta, algo está errado. Estamos falando de um
esforço para estar com a pessoa.”
A psicóloga indica a seguinte reflexão: caso a luta implique
na perda da própria identidade, ela não vale a pena. “O amor é uma pulsão que
constrói algo. Já a luta tem um teor mais destrutivo. Queremos destruir algo
para continuar juntos. Isso pode valer a pena se os dois fizerem isso sem
anular a si mesmos.”
Contudo, apenas a presença de um grandioso esforço para
manter um vínculo já é o suficiente para repensarmos a relação. “Por que essa
batalha? Como chegamos nisso? Antes de decidir se lutará ou não, saiba como a
situação chegou neste ponto. Isso vai definir se vale a pena estar no
relacionamento”, aconselha.
Lidando com a perda - Por fim, Raquel declara que, para conseguir lidar com
um término, é necessário bancar a própria existência. Não de maneira financeira,
mas sim, emocional. “Isso significa lidar com os nossos conflitos e medos. Eu
reconheço os meus valores. Não é ser uma pessoa que se acha, e sim, ser aquele
alguém que se reconhece ao olhar no espelho.”
Segundo a psicanalista, qualquer término é acompanhado de dor
e lágrimas. “De certa forma, um pedaço meu que existia no outro está indo
embora. Mas se eu tenho noção de quem eu sou, tenho uma tendência muito maior
de reconhecer e respeitar o próximo por quem ele é”, elucida.
“O que realmente faz sentido é estar vivo e o outro também.
Os dois precisam estar felizes. E se isso não está rolando juntos, por amor, o
ideal é deixar ir. Isso dói, mas é um processo de vida: aprender a se recolher
na própria dor para depois levantar”, conclui.
Créditos: TNH1