O texto da PEC ainda está sendo negociado com líderes,
governadores e prefeitos; a proposta pode ser votada até sexta

Os itens da cesta básica estão na categoria de produtos que entrarão na alíquota reduzida
Uma mudança no sistema tributário do país é esperada há
décadas. Agora, a reforma tributária, encampada pelo governo Lula e apressada
pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pode ser votada pelos deputados
até o fim desta semana.
Nesta primeira fase, a PEC (proposta de emenda à
Constituição) 45/19 prevê apenas alterações nos tributos que incidem sobre o
consumo. Veja abaixo o que deve mudar com a reforma.
Quais tributos pagamos hoje e não existirão mais?
Cinco tributos que existem hoje serão extintos. São eles:
Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI); Programa de Integração Social
(PIS); Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins); Imposto
sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS); e Imposto sobre Serviços (ISS).
O que entra no lugar?
No lugar de IPI, PIS e Cofins, que são de arrecadação do
governo federal, o Brasil terá a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços). A
União define a alíquota nesse caso.
No lugar de ICMS e ISS, que são arrecadados por estados e municípios,
o Brasil terá o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços). Os estados e municípios
definem a alíquota nesse caso.
Também será criado o Imposto Seletivo, que é federal, para
onerar mais os bens e serviços que o governo quer desestimular, por serem prejudiciais
à saúde ou ao meio ambiente, como cigarros.
Quais as características desses novos impostos?
Além de simplificar o número de regras existentes sobre o
assunto, a criação de um só Imposto sobre Valor Agregado (IVA), dividido em
dois tributos (CBS e IBS) com três alíquotas, prevê uma maior uniformização ao
sistema. Com isso, o governo também argumenta que acabará a cobrança de imposto
sobre imposto.
Uma das maiores mudanças é com relação ao local que recebe a
arrecadação: hoje, ela é na origem. A reforma prevê que a arrecadação fique no
estado ou na cidade de destino (ou seja, onde serviço ou bem for consumido), e
não no de origem.
Os brasileiros vão pagar mais impostos com a reforma?
O governo diz que a reforma não vai aumentar a carga
tributária total do país. Isso significa que eventuais aumentos em um setor
serão compensados por reduções em outros.
O preço dos itens da cesta básica vai subir?
Não é possível saber, pois as alíquotas dos novos impostos
ainda não estão definidas — isso será feito em um momento posterior. Os itens
da cesta básica, no entanto, estão na categoria de produtos que entrarão na
alíquota reduzida.
Se confirmados os estudos preliminares do Ministério da
Fazenda, com alíquota única de 25%, portanto, os produtos da cesta básica
seriam taxados em 12,5%.
Um levantamento feito pela Abras (Associação Brasileira de
Supermercados) mostra que, mesmo assim, a reforma tributária pode fazer com que
o imposto para produtos do setor aumente em até 60%. O estudo foi rebatido pelo
secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda,
Bernard Appy. “Não vai acontecer”, disse o secretário. “Não tem aumento de
tributação da cesta básica.”
O coordenador de pesquisa e incidência em justiça social e
econômica da Oxfam Brasil, Jefferson Nascimento, defende a desoneração de 100%
de, pelo menos, uma lista mais reduzida da cesta básica, de itens como arroz, feijão
e açúcar, entre outros.
O que é o cashback? Quem vai receber?
O cashback prevê a devolução de parte do imposto que incide
sobre o consumo. Ele será destinado à população de baixa renda.
Em maio, o secretário extraordinário de Reforma Tributária do
Ministério da Fazenda, Bernard Appy, disse que ainda discutia o desenho
operacional para garantir o cashback e que o desconto poderia ser feito “na
boca do caixa”.
“Lembrando que ele pode ser um desconto na boca do caixa. Não
preciso esperar arrecadar para depois devolver. Especialmente no Brasil, é
muito fácil fazer isso”, afirmou.
Como são os impostos que pagamos hoje para produtos como
bombons? Vai mudar alguma coisa?
Atualmente, a depender do enquadramento do produto em
determinada categoria, ele pode receber um tratamento tributário distinto ou
ter uma alíquota reduzida.
É o caso do bombom Sonho de Valsa, por exemplo, que foi
reclassificado há um ano como “biscoito wafer” para pagar menos impostos.
Quando era classificado como chocolate, o produto pagava 3,25% de IPI. Como
biscoito wafer, considerado um item de padaria, a fabricante não precisa mais
pagar esse tributo.
O vice-presidente Geraldo Alckmin chegou a dizer que o Brasil
tem um “manicômio tributário”. A reforma tributária promete reduzir essas
distorções.
A indústria vai pagar menos impostos? O que isso significa?
O setor industrial deve ser o maior beneficiado pela atual
reforma, que aumenta a uniformidade das cobranças. Atualmente, a indústria é
atingida com maior intensidade pela carga tributária — e paga cerca de 34% de
impostos federais. Deve, portanto, pagar menos impostos com a alíquota única. O
governo diz que isso ajudará a gerar empregos e reativar o setor.
É verdade que os serviços ficarão mais caros e isso vai
afetar a classe média?
A carga tributária média sobre serviços pode subir, com a
maior uniformização dos impostos. Setores específicos, como educação, terão
alíquota reduzida.
Appy disse que o setor de serviços, de modo geral, será favorecido
com a reforma, em consequência do crescimento econômico, e afirmou que algumas
áreas do segmento serão beneficiadas com redução da carga tributária. Ele
ressaltou que os tomadores de serviço podem ter redução de 7% a 13% na carga
por causa das mudanças no sistema.
O setor defende a desoneração da folha de pagamento como
forma de compensação, para manter empregos a despeito do aumento do custo
tributário. A desoneração da folha não é discutida na etapa atual da reforma.
Se o setor de serviços pode ter aumento de carga tributária,
gastos com educação, saúde e transporte público vão ficar mais caros?
Não. A proposta prevê que serviços de educação, saúde,
transporte público coletivo e alguns medicamentos estarão excluídos da regra
geral de alíquota única. Nesses casos, a alíquota cobrada será equivalente à
metade (50%) da alíquota única. Tudo depende, no entanto, da alíquota cheia que
for definida — o que acontecerá num momento posterior.
Também terão tarifa reduzida produtos agropecuários in
natura, atividades artísticas e produtos da cesta básica.
Remédios vão custar mais?
Não. Parte dos medicamentos está na previsão de alíquota
reduzida (50%), e há ainda remédios, como os de tratamento contra o câncer, que
estão na terceira opção: a de alíquota zero.
Voltaremos a pagar imposto na compra de livros?
Não. Livros continuarão a ter imunidade tributária. Conforme
afirmou Appy, os planos do governo não incluem acabar com a isenção de impostos
para as compras de livros no país. Atualmente, a regra que rege a tributação de
livros prevê que esse bem de consumo é isento de impostos.
Durante o governo de Jair Bolsonaro, o então ministro da
Economia, Paulo Guedes, sugeriu que os livros perdessem a isenção tributária,
porque, segundo o chefe da pasta, os itens só seriam consumidos “pelos ricos”.
À época, o representante voltou atrás no posicionamento, diante da polêmica
causada por sua declaração.
A reforma tributária pode afetar o preço de serviços de
streaming?
Conforme divulgado pelo Ministério da Fazenda, o projeto do
governo pode ter impacto nos serviços de streaming, mas essa elevação seria,
segundo a pasta, compensada pela redução sobre o preço da energia elétrica.
Como a reforma afeta os combustíveis?
Para a CNT (Confederação Nacional dos Transportes), uma das preocupações
em relação às propostas que tramitam na Câmara e no Senado é a possibilidade de
que haja um aumento nos principais insumos do setor, como os combustíveis, a
energia elétrica e a mão de obra. A entidade alega que, caso aprovada, a
reforma pode gerar um aumento de impostos para esses três segmentos
estratégicos para os transportes no Brasil.
Qual o impacto no turismo/viagens?
Em um manifesto assinado conjuntamente por diversas
associações ligadas ao setor do turismo, as entidades afirmam que a aprovação
da proposta de reforma tributária pode impactar negativamente o segmento. Ela
poderia encarecer os serviços de turismo, por atrapalhar a competitividade do
país como um destino turístico, além de dificultar o crescimento do setor.
O crédito no Brasil pode ficar mais caro?
Durante um evento da Fiesp (Federação das Indústrias do
Estado de São Paulo), em abril deste ano, o presidente da Febraban, Isaac
Sidney, disse que a aprovação de uma reforma tributária pode reduzir o custo de
crédito no Brasil.
O IPTU vai subir?
Não há previsão de aumento do IPTU na reforma. No Congresso,
foram incluídas seções sobre outros impostos além dos relativos ao consumo,
como o IPTU. O que a reforma faz é autorizar os prefeitos a atualizar a base de
cálculo do imposto por meio de um decreto, ou seja, sem a necessidade de
aprovação da Câmara Municipal. Isso dá mais liberdade aos prefeitos que querem
ampliar receitas mas esbarram no legislativo local.
A inclusão desse trecho foi um aceno feito pelo relator do
texto, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-BA), aos prefeitos, que reclamaram da
reforma.
E o IPVA?
Embora a reforma seja destinada aos tributos de consumo, essa
primeira fase também prevê que itens de luxo, como jatinhos e lanchas, sofram
incidência de IPVA, assim como já ocorre com os automóveis.
A votação na Câmara já significa que a reforma foi aprovada?
Não. Como é uma proposta de emenda à Constituição, o texto
precisa ser votado em dois turnos na Câmara, ser aprovado por três quintos dos
deputados (308 votos) e depois ir para a análise do Senado, o que só deve
acontecer após a volta do recesso parlamentar.
No Senado, o procedimento é o mesmo: duas votações, com três
quintos dos votos a favor. Se os senadores fizerem alterações significativas no
texto, a proposta precisará passar mais uma vez pela análise da Câmara dos
Deputados.
Uma vez aprovada, a reforma passa a valer imediatamente?
Não, haverá uma fase de transição. O novo modelo pode estar
plenamente implementado, para todos os tributos, só em 2033.
Durante a campanha eleitoral, Lula prometeu que pobres
pagariam menos impostos e ricos pagariam mais. Isso está acontecendo nessa
reforma?
A primeira fase da reforma tributária é focada nos tributos
que incidem sobre o consumo.
Depois de promulgada a PEC, o governo terá um prazo de 180
dias para enviar a proposta de alteração nos impostos sobre a renda. O segundo
momento, de discussão sobre a tributação que recai sobre a renda, é apontado
por especialistas como a fase em que haverá margem para taxar mais os mais
ricos, com a discussão, por exemplo, sobre a tributação de dividendos.
Na campanha, o então candidato Lula prometeu também isenção
de Imposto de Renda para quem ganha até cinco salários mínimos.
Um dos argumentos para aprovar a reforma é que a
simplificação tributária tornará o país mais competitivo. Que efeito isso pode
ter na vida do brasileiro?
Com um sistema mais simples, é possível identificar quanto de
tributo foi pago pelos brasileiros e melhorar a eficiência da economia. As
empresas poderão deixar de investir milhões de reais para entender o sistema
tributário do país e alocar recursos em investimentos produtivos, considerados
fundamentais para acelerar o crescimento da economia brasileira.
Em média, o setor produtivo brasileiro gasta 62 dias ao ano
para lidar com a burocracia ligada ao pagamento de impostos. A média nos países
da OCDE é de seis dias.
O governo estima que a reforma tributária possa gerar um
aumento de 12 a 20 pontos porcentuais no PIB em um horizonte de dez a 15 anos.
Mais de 60 economistas e empresários assinaram um manifesto
em apoio à reforma tributária. No documento, o grupo afirma que a PEC que
reforma os tributos sobre o consumo seria “abrangente e em conformidade com as
melhores práticas internacionais”.
Por que governadores e prefeitos debatem com o Congresso
alterações no texto?
A reforma encontra resistência por parte dos prefeitos e
governadores porque eles temem perda de arrecadação e dizem que há uma quebra
do pacto federativo. Hoje, os municípios são responsáveis pela arrecadação do
ISS, e os estados, pela do ICMS.
No texto original da PEC, está prevista a criação de um
Conselho Federativo, que seria responsável por centralizar, gerir e distribuir
entre os estados e os municípios a arrecadação do Imposto sobre Bens e Serviços
(IBS) — que, com a reforma, vai substituir o ICMS (estadual) e o ISS
(municipal).
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas
(Republicanos), é um dos principais críticos do Conselho. Ele defende uma
espécie de câmara de compensação, em que os estados compensariam uns aos outros
no fim de cada dia, por meio de operações interestaduais.


