Relator, deputado Hugo Motta, diz que nova versão abre 'espaço fiscal' de mais de R$ 80 bi para governo bancar Auxílio Brasil. Texto altera regra de correção monetária do teto de gastos.
A comissão
especial criada na Câmara para analisar a Proposta de Emenda à Constituição
(PEC) dos Precatórios aprovou nesta quinta-feira (21) o texto-base da
proposição por 23 votos a 11.
A conclusão
da votação ainda dependia da análise de oito destaques (sugestões pontuais de
alteração do texto principal), que não tinha terminado até a última atualização
desta reportagem.
Vencida a
etapa da comissão, o texto seguirá para o plenário, onde precisa obter pelo
menos 308 votos em dois turnos para ser aprovado.
A PEC fixa
um limite, a cada exercício financeiro, para as despesas com precatórios
(dívidas da União já reconhecidas pela Justiça).
O texto é
uma das apostas do governo federal para viabilizar o Auxílio Brasil, programa
social que deve substituir o Bolsa Família.
O governo
tenta reduzir o montante de precatórios a ser quitado em 2022 para, com o
restante do dinheiro, conseguir pagar o novo programa social. A intenção é que
cada família beneficiária do novo programa receba, pelo menos, R$ 400 por mês
no próximo ano.
A aprovação
pela comissão do parecer sobre a proposta, de autoria do relator, deputado Hugo
Motta (Republicanos-PB), abre espaço orçamentário para bancar o programa sem
"furar" o teto de gastos, que limita o crescimento da maior parte das
despesas públicas à inflação.
Além de
restringir o pagamento de precatórios, a PEC altera a regra de correção do teto
de gastos.
Atualmente,
a fórmula considera o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)
apurado entre julho de um ano e junho do ano seguinte. O período considerado é
esse porque é o dado disponível no momento em que o governo tem de enviar ao
Congresso o projeto de orçamento do ano seguinte.
Com a
mudança proposta pela PEC, o IPCA passa a ser apurado entre janeiro e dezembro.
Essa mudança no cálculo também afeta o pagamento dos precatórios, já que o
governo propõe limitar a alta dessas despesas pelo mesmo índice.
A mudança
parece simples mas, segundo o relator, a alteração na fórmula e o limite de
pagamento dos precatórios liberam quase R$ 84 bilhões para despesas em 2022,
ano eleitoral. Na prática, o governo conseguiria essa margem para contornar o
teto de gastos. Técnicos do Congresso estimam que esse espaço orçamentário pode
ser ainda maior e ultrapassar R$ 95 bilhões.
A proposta
de furar o teto para bancar o programa social repercutiu negativamente no
mercado.
Discussão
Antes da
votação, o relator da matéria disse que cerca de 17 milhões de famílias serão
beneficiadas e defendeu que o texto obedece às regras fiscais.
"Nós
temos sim a preocupação de fazermos o social, de podermos levar esse auxílio,
mas nós temos uma preocupação ainda maior também de continuarmos a obedecer as
regras fiscais, porque não adianta aqui sermos irresponsáveis fiscalmente,
porque isso irá culminar com uma inflação ainda maior, e nós sabemos que não
adianta dar com uma mão e tirar com a outra", disse Hugo Motta.
Polêmica, a
proposta foi alvo de críticas na comissão especial. Parlamentares,
principalmente da oposição, afirmam que a mudança é uma forma de dar
"calote" no pagamento dos precatórios.
"O que
está sendo feito aqui, na verdade, é um calote. Nós vamos dar um calote na
dívida dos precatórios no país. Por essa razão, a oposição não pode aceitar a
forma açodada e absolutamente inconsequente com que o Governo está conduzindo
essa política", disse o deputado Bira do Pindaré (PSB-MA).
Gilson
Marques (Novo-SC) criticou as mudanças no parecer, protocolado minutos antes da
sessão começar.
"Um
tema extremamente complexo de um alto impacto financeiro, social, fiscal. Não é
possível, de uma maneira técnica, analisar todos os contextos, impactos e
consequências relativos a isso", disse o parlamentar.
Defensor da
proposta, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), compareceu por alguns
minutos à sessão, mas não quis falar com a imprensa. Em outras ocasiões, ele
disse que a PEC é prioridade na Casa.
Regra
'casuística'
A regra
proposta na PEC, segundo os técnicos do Congresso, é "totalmente
casuística" – ou seja, foi pensada apenas para resolver o próximo ano.
De 2023 em
diante, não há qualquer garantia de que o cálculo de janeiro a dezembro seja
mais vantajoso que o modelo atual. Ou seja, a mudança pode incluir um aperto
nos orçamentos federais nos anos seguintes.
A mudança no
relatório, protocolado nesta quinta-feira, serve para bancar o novo valor do
Auxílio Brasil, de R$ 400, anunciado oficialmente pelo governo nesta
quarta-feira (20). O governo quer reajustar o Bolsa Família em 20% e, depois,
chegar aos R$ 400 com um "benefício temporário".
Ao criar um
programa temporário, o governo federal fica dispensado de apontar uma nova
fonte permanente de recursos – essa é a principal dificuldade da equipe
econômica para viabilizar o Auxílio Brasil.
Os técnicos
do Congresso ouvidos pelo g1 e pela TV Globo afirmam também que a abertura
dessa folga orçamentária em 2022 pode levar o governo a gastar mais recursos
para atender a pedidos de parlamentares – por exemplo, com as emendas de
relator, criticadas pela falta de transparência.
Nova
versão
Motta já
havia lido um relatório sobre a matéria há duas semanas. Na oportunidade, o
parecer estipulou um limite para despesas com precatórios para cada exercício
financeiro, o que, se aprovado, abriria espaço orçamentário de R$ 50 bilhões
para bancar o programa sem furar o teto de gastos.
Nesta
quinta, ao apresentar a nova versão, Motta disse claramente que a mudança
servirá para incluir o Auxílio Brasil nas contas do próximo ano.
“Estamos
trazendo correção do teto de gastos de janeiro a dezembro de cada ano, para que
a gente consiga, com isso, encontrar a saída do espaço fiscal necessário para
cuidarmos de quem mais precisa”, afirmou o relator.
Na prática,
a mudança na correção monetária do teto de gastos quase dobra a folga fiscal
gerada pela PEC dos Precatórios – que passará de R$ 50 bilhões para algo entre
R$ 80 bilhões e R$ 90 bilhões.
Espaço no
teto
Até este
ano, o governo vinha pagando integralmente os precatórios. A partir de 2022, a
conta passará de R$ 54,7 bilhões para cerca de R$ 90 bilhões, o que, segundo o
Poder Executivo, inviabiliza o lançamento do novo programa social.
Por isso, a
PEC estipula um teto para gastos com precatórios, abrindo espaço fiscal para
bancar o programa. A mudança no período de correção também ajuda abrir mais
espaço no orçamento.
Segundo o
texto , os precatórios de menor valor terão prioridade de pagamento e os que
não forem pagos no exercício previsto em razão do estouro do teto fixado na
proposta terão prioridade nos exercícios seguintes.
Auxílio
Brasil
O governo
anunciou na quarta-feira (20) que o Auxílio Brasil deverá ter mesmo o valor de
R$ 400.
Para
permitir essa despesa, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que
estudaria uma forma de alterar o teto de gastos. Essa alteração foi apresentada
nesta quinta na PEC dos Precatórios.
Vacinação
O relatório
prevê que, se o novo cálculo for aprovado, a aplicação no Orçamento de 2021
fica limitada a R$ 15 bilhões.
E que, se
isso acontecer, o saldo deve ser usado exclusivamente para despesas da
vacinação contra Covid ou "relacionadas a ações emergenciais e temporárias
de caráter socioeconômico" – o que poderia, também, incluir os gastos com
o Auxílio Brasil.
Na avaliação
de técnicos, esse dispositivo pode resolver uma lacuna sobre recursos para a
vacinação no ano seguinte. Como o governo encaminhou o projeto do Orçamento de
2022 sem previsão orçamentária para os imunizantes, essa previsão seria uma
forma de garantir os valores ainda em 2021.