Levantamento aponta que famílias deixam de resgatar, em média, até R$ 50 mil por falta de informação e organização financeira: são os chamados 'ativos invisíveis'
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| Sem saber onde estão guardados contratos, apólices ou comprovantes, muitas famílias deixam de buscar recursos importantes — Foto: Andre Mello |
Quando alguém morre, pode deixar para trás uma série de
valores que passam despercebidos pela família — como prêmio de seguros de vida,
saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), cotas do PIS/Pasep (para
quem trabalhou formalmente de 1971 a 1988) e até indenização de
auxílio-funeral. Esses recursos fazem parte dos chamados ativos invisíveis:
benefícios que existem, mas não são resgatados por falta de informação. Segundo
um levantamento feito pela plataforma Planeje Bem, especializada em
planejamento sucessório, com base em dados dos seis primeiros meses deste ano,
os herdeiros haviam deixado de recuperar, em média, até R$ 50 mil em recursos
deixados por parentes.
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O estudo, feito com base em mais de cem atendimentos
realizados no primeiro semestre de 2025, identificou um perfil comum entre os
que deixam de buscar esse dinheiro: até 70% são homens.
Para Carolina Aparicio, diretora executiva da Planeje Bem,
esse grupo é formado, em sua maioria, por filhos, netos ou sobrinhos que não
participavam da rotina financeira do parente falecido:
— No momento da perda, eles se concentram nas providências
imediatas, como o funeral. Depois, retomam suas rotinas de trabalho e acabam
não indo atrás dos valores a que têm direito.
Além da falta de informação, a desorganização de documentos e dados financeiros também é um entrave comum. Sem saber onde estão guardados contratos, apólices ou comprovantes, muitas famílias deixam de buscar recursos importantes — como previdência privada, seguro de vida oferecido pela empresa, saldo do FGTS e cotas do PIS/Pasep, que exigem solicitação ativa.
Para evitar esse tipo de perda, a advogada Laura Brito,
especialista em Direito de Família e Sucessões, recomenda que as pessoas se
preparem ainda em vida:
— Ter uma pasta com os documentos essenciais é um ato de
cuidado com quem fica. Separar identidade, CPF, certidões, apólices de seguro,
declaração de Imposto de Renda, contratos com funerárias e informações sobre
investimentos e contas bancárias.
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Burocracia depois da perda
A advogada Maria Pia Bastos-Tigre, de 46 anos, só descobriu
que o avô tinha um seguro de vida, uma conta bancária e investimentos em ações
após o falecimento dele, em 2019.
— Nada disso estava na declaração de Imposto de Renda. Foi
tudo feito no papel. Tivemos que revirar documentos, gavetas e certidões para
encontrar pistas — lembra Maria.
Ela também precisou acessar o site do Banco Central (BC) e
entrar em contato com diferentes instituições, como a seguradora, o banco e a
empresa onde estavam os papéis.
— Cada valor exigia uma busca diferente — lembra.
Depois da experiência, Maria mudou a postura em relação às
finanças da família:
— Passei a ter mais conversa com meus parentes para planejar
para o caso de quando não estar mais por aqui.
Depoimento
Laura Brito, advogada especialista em Direito de Família e
Sucessões
"A gente não pode ter preguiça nem medo. Tem muita gente que evita olhar
por receio de ‘chamar’ a morte, mas fazer esse tipo de prevenção é um cuidado
com a gente mesmo e com o nosso familiar. Além de ter documentos importantes em
uma pasta, deixe guardado informações sobre instituições financeiras onde há
dinheiro guardado. Esse é o primeiro passo que deve ser dado pelas pessoas que
se preocupam com seus herdeiros."
Quem herda o que está no mundo digital?
Nem todos os bens deixados por alguém que faleceu estão no
mundo físico. Milhas acumuladas, arquivos em nuvem, redes sociais, senhas e até
criptoativos fazem parte do que se chama de herança digital — um tema que ainda
levanta dúvidas e controvérsias no país.
Em tramitação no Congresso Nacional, o Projeto de Lei (PL)
4/2025 propõe atualizar o Código Civil para definir regras sobre o que pode ser
acessado, por quem e como, após a morte do titular. Atualmente, a proposta está
aguardando despacho no plenário do Senado Federal.
Apesar do avanço, especialistas apontam que o projeto ainda
deixa brechas. A advogada Laura Brito destaca que, mesmo com um testamento, as
plataformas podem negar o acesso a contas com base nos termos de uso, que
geralmente afirmam serem pessoais e intransferíveis.
— Há aspectos patrimoniais e existenciais. Posso ter
intimidades nas minhas redes sociais que talvez eu não queira que um herdeiro
veja — diz.
Por outro lado, Ana Luiza Affonso, co-diretora-executiva da
Planeje Bem, ressalta que a regulamentação pode trazer mais segurança jurídica
às famílias:
— Ao definir o que pode ser acessado, por quem e como, a lei
evita disputas judiciais e ajuda a reduzir o sofrimento num momento que já é
emocionalmente difícil.
Como identificar dinheiro deixado por quem faleceu
- RHs
e sindicatos
Entre em contato com o setor de Recursos Humanos das empresas
onde a pessoa trabalhou e com o sindicato da categoria. Eles podem informar
sobre seguros de vida coletivos, planos de previdência e benefícios
trabalhistas que não estavam sob controle direto da família.
- Contas
bancárias
Consulte o site oficial do Banco Central
(valoresareceber.bcb.gov.br) com o CPF do falecido. É possível localizar saldos
esquecidos em contas bancárias, contas encerradas com saldo remanescente e até
tarifas cobradas indevidamente.
- Seguros
de vida
Acesse o site da Superintendência de Seguros Privados (CNseg)
para verificar apólices ativas no nome da pessoa, desde que ela já tenha
falecido (será necessário apresentar certidão de óbito).
- Pensão
O benefício pode ser solicitado por dependentes no site ou
aplicativo Meu INSS. É necessário apresentar documentos que comprovem o vínculo
(como certidão de casamento ou união estável) e o óbito.
- DPVAT
O seguro obrigatório DPVAT foi descontinuado para novos
acidentes, mas ainda pode gerar indenização para casos ocorridos até 31 de
dezembro de 2023. Se a morte do familiar foi causada por acidente de trânsito
antes dessa data, os dependentes podem solicitar o benefício junto à Caixa
Econômica Federal, que administra os pagamentos remanescentes.
- Cartões
Muitos cartões oferecem seguros e auxílios-funeral incluídos
no pacote de serviços. Ao entrar em contato com o banco, apresente a certidão
de óbito e o vínculo com o falecido para verificar possíveis indenizações.
